O consenso internacional: a obesidade como doença crónica

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade é definida como uma doença crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo e o consequente risco para a saúde. Essa definição internacional já coloca a obesidade no grupo das doenças reconhecidas.

Revisões narrativas robustas também confirmam esse entendimento. Um estudo recente acreditável, discute que a obesidade se caracteriza tanto por fatores biológicos (hormonas, tecido adiposo como órgão endócrino ativo) quanto por determinantes sociais e psicológicos.

Evidências científicas: comorbidades associadas à obesidade

Doenças metabólicas e cardiovasculares

Revisões sistemáticas, incluindo estudos de Mendelian Randomization, estabelecem uma relação causal entre obesidade elevada e riscos consideráveis de:

  • Doença cardiovascular ─ aumento do risco de doença arterial coronária e AVC;
  • Doença hepática gordurosa não alcoólica, com associação especialmente forte com obesidade central (medida por circunferência abdominal).
  • Em crianças, a obesidade eleva enormemente o risco de pré-diabetes (1,4×) e de doença hepática gordurosa não alcoólica (até 26×) em relação a crianças com peso saudável.

Impacto na gravidade de doenças infecciosas

Uma revisão sistemática mostrou que indivíduos com IMC ≥ 25 têm risco quase 2,4 × maior de desenvolver doença grave por COVID-19 e 3,5 × maior de mortalidade — ainda mais para IMC ≥ 35 com risco até 7 × maior.

Esses dados reforçam o carácter de condição patológica com consequências clínicas reais, não meramente estética.

 

Debate e nuances: obesidade como doença real ou controversa?

Apesar do consenso em organismos como a OMS, parte da comunidade científica ainda considera a questão complexa. Alguns destacam que a obesidade não se encaixa exatamente no modelo tradicional de “doença”, pois ela não se manifesta necessariamente através de um único sintoma ou quadro clínico típico. Mas noutra discussão, conforme citado numa comissão recente, a obesidade pode ser vista como condição que causa disfunção via adiposidade, mas ainda levanta debate sobre seu enquadramento como doença per se.

Novas abordagens diagnósticas: além do IMC

Especialistas, através de uma comissão internacional, propuseram uma nova classificação para obesidade, distinguindo:

  • Obesidade pré-clínica: excesso de adiposidade sem disfunção orgânica.
  • Obesidade clínica: excesso adiposo que causa disfunção ou limitações nas atividades diárias.

Essa perspetiva mais refinada visa humanizar e individualizar diagnósticos, fugindo da simplificação do IMC como medida única — o que reforça a visão de obesidade como um processo com graduações clínicas, e não uma simples variação de peso.

 

Tratamentos eficazes com respaldo em revisão científica

Um importante estudo publicado na JAMA (revisão de 126 artigos) concluiu que os tratamentos mais eficazes para obesidade envolvem:

  • Cirurgia bariátrica
  • Intervenções comportamentais

Medicamentos GLP-1 agonistas (como semaglutida, liraglutida) e agonistas duplos (GLP-1/GIP como tirzepatida) — esta última mostrou perda de peso média de 21% em 72 semanas. Esses resultados sublinham que a obesidade exige abordagem médica multifacetada, similar às doenças crônicas de base.

Conclusão: obesidade é uma doença, sim, mas com nuances

Com base em evidências sólidas — de órgãos como a OMS, revisões sistemáticas e estudos clínicos importantes — a obesidade é um quadro médico sério, multifatorial e com consequências reais para a saúde. Embora ainda existam discussões sobre definições tradicionais de doença, essa condição exige tratamento especializado e contínuo, como qualquer outra doença crônica.

 

Rui Batista
Técnico de Exercício Físico
CP. Nº 26478

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